segunda-feira, 28 de julho de 2014

A chuva


                        Depois que as últimas chuvas passaram para o sul...                                                                                                                                                                                                                                       Bernardo Soares



A tempestade da madrugada finalmente cessara e o dia despertava alegre com os pássaros a chilrear nas primeiras horas daquela manhã de verão, em cima das mangueiras repletas de frutos. E o céu... supunha que de um azul ímpar; sem uma nuvem sequer para eu fitá-la, como gostava de fazer no meu tempo de criança, tentando advinhar que imagens se formavam naqueles ‘flocos de algodão’. E a vida vibrava naquele amanhecer. E eu ainda deitado, numa lassidão que não me permitia levantar; um tédio...
Aqui dentro, algo tão diverso de toda aquela beleza e alegria matinal que pulsavam lá fora, algo que destoava e buscava uma resposta para minha melancolia. Porém, não a obtinha. Talvez, um dia cinzento, ou aquela chuva que parecia não terminar, me respondessem ou compartilhassem comigo aquele momento.
Dentre todos da rua, somente eu desejava os dias cor de chumbo novamente, aqueles onde a natureza emudece e se entristece. Acordei tão byroniano naquela manhã... A solidão tornou-se não um estar isolado, mas minha companheira dos últimos dias. Ainda guardo na memória, os versos do poeta que li em demasia na semana anterior:

“When we two parted
In silence and tears,
Half-broken heart…”

De repente, no entanto, aqueles pensamentos, aqueles sentimentos que me oprimiam o peito começaram a se esvaírem, quando os primeiros raios de sol entraram pela fresta de meu quarto. Podia sentir quanta vida havia na rua, o calor da estação, o calor de toda aquela gente me chamando para comungar com ela aquela bonança. Corri para fora e deixei naquele ambiente frio, aquela parte de mim da qual tentava me desprender. Enfim libertei-me dela. Mas por quanto tempo não sabia.
Fiquei um bom tempo no jardim de casa; contemplando as rosas que começavam a desabrochar, os pequenos insetos sobrevoando as folhagens ainda molhadas e, admirando toda aquela movimentação na rua: crianças indo para a escola, homens e mulheres tomando seus veículos para o trabalho, outros passeando apenas. Tudo aquilo me contagiou. O tempo passou e esqueci-me dos meus compromissos naquela manhã. Apressei em preparar meu café, tomar um banho rápido e correr para meus afazeres musicais. Meu aluno de piano já me ligava, perguntando se havia tido algum problema, haja vista o meu atraso.

Toda a melancolia da noite anterior, todo aquele clima byroniano que se apossara de mim, não encontrei mais, quando retornei para o interior de casa. Fui contaminado pela euforia do dia e a beleza da natureza que me saudava naquela manhã.    

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Ao aproximar do Natal



Antevéspera de Natal. Embora a tarde estivesse ensolarada preferi deitar-me no sofá da sala e colocar alguma música para relaxar. O disco era uma seleção de árias de ópera italiana, interpretadas por Maria Callas. De início começou a tocar Vissi d’Arte de que tanto gosto. Fui envolvido por uma atmosfera emotiva que ao mesmo tempo me embriagava, me aliviava das tensões do dia. Aquela Tosca realmente era diferente de muitas das que eu havia escutado até então, e mexeu em algo dentro de mim que nunca sentira com outra Floria.
Passado o momento de êxtase, levantei-me, fui até a cozinha procurar algo para beber, pois estava sedento. Na geladeira, ainda encontrei o suco de abacaxi que eu mesmo havia preparado no almoço daquele sábado quente. Voltei à sala, troquei o disco e coloquei outro, da Piaf, que ganhara de minha professora de piano. Fui até a varanda refrescar-me, embora pouco ventasse lá fora. O abafamento daquele dia de verão persistia.
O telefone tocou. Minha tia chamando-me para jantar com eles. Agradeci ao convite, mas disse que preferia ficar em casa naquela noite, descansando um pouco e refazendo uns textos que começara no dia anterior. Fui tomar outro banho. Que alívio!
Após alguns minutos, a chuva. Finalmente! Chovia torrencialmente. Ainda pude sentir o cheiro da terra molhada e ver os passarinhos contentes, sacudindo as penas, refrescando-se. Desliguei a música que tocava. Por alguns minutos, fiquei sentado na poltrona da sala admirando a água que escorria pela vidraça. Contemplando e ouvindo a chuva que caía...
Um sol, tímido, ainda saiu. E mais uma bela obra da Natureza para findar aquela tarde de verão: um arco-íris. A criança dentro de mim despertou; fiquei curioso de segui-lo até o seu final e lá encontrar o pote de ouro.
 Voltei à realidade. Sentei-me ao computador. Coloquei novamente o disco de Piaf, que tocava baixinho, enquanto refazia um de meus textos. Aliás, o único que consegui refazer até naquele momento, pois o cansaço falou mais forte e resolvi deitar-me um pouco, e acabei adormecendo profundamente, acordando somente no outro dia.

Véspera de Natal. Despertei com a rua movimentada. Crianças na expectativa. Uma menina de seus cinco anos ia de mãos dadas com os pais a perguntar quando o velhinho de longas barbas brancas viria trazer seus presentes. Duas mulheres de meia idade caminhavam em direção ao mercado, comentando entre si o que pensavam em comprar para os comes e bebes da noite natalina. Todos eufóricos. Eufóricos com os presentes, com as compras para a ceia... Nem todos... O Natal seria o mesmo em todos os lares? Passei o dia a refletir sobre essa data...