Considerada uma das obras-mestres do
século XX, a Cantata Carmina Burana, do alemão Carl Orff, em seu
primeiro movimento, faz uma alusão ao sistema sócio-econômico
mundial. O capitalismo que esconde a sua dupla face. Ora, como sacro
e bençoado. Ora, como um monstro usurpador de bens. Ele dá e tira.
Emerge na forma de uma roda volúvel que, está em eterno movimento.
Escrita por monges e eruditos
errantes, a Carmina Burana é uma coleção de 200 poemas encontrados
em um pergaminho, no ano de 1803, na biblioteca de um antigo
mosteiro, na Baviera Superior, sendo simbolizada por um elemento da
antiguidade: a roda da Fortuna. Os poemas relatam as bênçãos e as
maldições provindas da Fortuna; a imperatriz do mundo. Nos
primeiros versos, os monges escrevem: “Ó Fortuna és como a Lua
mutável, sempre aumentas e diminuis; a detestável vida, ora
escurece e ora clareia por brincadeira a mente; miséria, poder, ela
os funde como gelo”. Ainda em tempos remotos, estes eruditos
pareciam revelar a futura estrutura econômica das sociedades
ocidentais do terceiro milênio.
Em nossos dias, o dinheiro é
líquido e instável. Ora, se ganha. Ora, se perde. Por vezes, parece
abstrato e invisível. Ao mesmo tempo, que equilibra, se torna
irregular. Aqueles que, hoje, exaltam sua felicidade sobre seus bens
capitais, amanhã podem chorar ao ver sua virtude econômica
esmorecer, atingida por uma forte mudança no mercado financeiro. O
capitalismo se mostra como um grande carrasco, escravizando até
mesmo os mais fortes.
Nos momentos de bem-aventuranças, a
prosperidade reina absoluta. Sorte e virtudes estão sobre a
sociedade que, se senta no trono da Fortuna. E, muitos investimentos
são feitos, negócios empresariais são fechados e contratos são
assinados. O consumo exacerbado é inevitável. Compram-se grandes
casas, os carros populares dão lugar aos luxuosos automóveis
importados e se testemunha uma corrida veloz aos templos do consumo.
Adquire-se um pouco de tudo. Até mesmo, algo que será de
irrelevância utilidade. Os produtos importados multiplicam-se nas
prateleiras exterminando os produtos nacionais e, as viagens ao
exterior tornam-se rotineiras.
Contudo, a roda da Fortuna está
em movimento. E gira, impiedosamente. Despreparada, a sociedade desce
desolada, chorando as chagas deixadas pela Fortuna. Os empréstimos e
as dívidas se alastram no meio do empresariado. A fantasia dos
longos prazos e crediários ilude os mais fracos. Em casos extremos,
as pesadas portas das empresas são fechadas. Outrora, o trabalho é
açoitado, restando ao homem um último sopro de vida do seu seguro
desemprego. O consumo excessivo sai de cena e a palavra de ordem é
economizar, preocupando-se em comprar somente o básico. Os números
registrados pelas modernas máquinas do caixa parecem saltar aos
olhos do mais simples ser humano. E, assim, a cruel roda do
capitalismo, da Fortuna, da Imperatriz do mundo; continua girando,
sem interromper o seu movimento, o seu ciclo vicioso e extasiante,
proporcionando sorte e azar. Wellerson Cassimiro